Vendida como seguro, proteção veicular deixa motoristas na mão

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Comprar um carro, principalmente um zero quilômetro, é um sonho de consumo. E, normalmente, a primeira providência, muitas vezes antes mesmo de tirá-lo da concessionária, costuma ser contratar um seguro. Em tempos de crise, no entanto, a oferta de proteção por um preço mais em conta está levando muitos proprietários a contratarem “gato por lebre”. Vendida como se fosse um seguro, a proteção veicular tem regras bem diferentes e um risco alto de, em caso de problemas, o dono do carro não receber indenização. Especialistas no setor de seguro dizem mesmo que se trata de uma ilegalidade, e já há relatos até de envolvidos em vendas desse serviço presos por estelionato.

A empresária Ozeane Queiroz é uma vítima deste mercado. Ao comprar um Honda Civic zero quilômetro, em meados de 2015, por indicação de um amigo, contratou a proteção veicular oferecida pela Unibras Rio. O valor das mensalidades, de cerca de R$ 200, foi um atrativo. No fim daquele ano, no entanto, a empresária teve o carro roubado, e aí começou a sua dor de cabeça.

— Quando fui solicitar a indenização, descobri que precisaria apresentar os documentos do veículo, o que não seria possível, pois foram levados junto com o carro. A Unibras não tinha a cópia dos documentos que entreguei. A empresa me enrolou por um ano, cada hora pedia um documento diferente. No fim, disseram que só teria o reembolso se conseguisse o documento do carro. O problema é que o Detran não emite segunda via de documento para carro roubado. Exige o veículo para ser vistoriado antes de emitir o novo documento — conta Ozeane.

CONSUMIDOR DEVE CHECAR EMPRESA NA SUSEP

A empresária ficou sem carro, sem documento e sem o dinheiro. Cansada de correr atrás da empresa, que continua funcionando com outro nome — agora é Unibras Mais —, Ozeane entrou com um processo na Justiça, ainda em andamento.

— A impressão que dá é que fui culpada por ter deixado os documentos dentro do veículo. Como não posso ficar sem carro, comprei um Celta usado. Foi o que deu, já que não recebi o reembolso pelo roubo do Honda — lamenta a empresária que, desta vez, contratou um seguro regular para o veículo.

Procurada por mais de duas semanas, a Unibras só respondeu nesta terça-feira, depois da matéria publicada. Por e-mail, seu representante jurídico ressalta que a empresa é uma associação, ou seja, uma sociedade civil sem fins lucrativos, a qual difere totalmente de uma companhia seguradora, por ser esta uma empresa privada e que visa ao lucro para distribuir entre seus sócios. E como associação, os resultados são reinvestidos e é vedada a sua distribuição entre os associados, em havendo algum evento o valor do prejuízo é rateado dentre os associados.

A empresa esclarece que a consumidora tenta equiparar a Unibras à seguradora a fim de se ser atendido na sua pretensão indenizatória, e alega que, a fim de demonstrar a condição de associação, basta que se proceda com uma perícia contábil e se concluirá que a mesma não atende às normas estipuladas às seguradoras.

“Não se trata de contrato de seguro o pacto firmado entre o réu. A associação não é uma seguradora, tão somente oferta aos seus associados entre outros benefícios o de PROTEÇÃO aos seus veículos, mediante um sistema mutualismo de rateio, regulado pelo seu estatuto. Não se aplica ao caso em tela normas relativo a um contrato de seguro, devendo-se observar as previsões contidas no regulamento do plano de proteção”, diz a empresa, que confirma, de fato, que a associada teve um evento em 19 de maio de 2015, sendo que para que o seu processo seja finalizado, é necessário o envio de alguns documentos requeridos em datas posteriores para o reembolso.Contudo, reforça a empresa, até a presente data, a cliente não entregou os documentos, e por isso o seu processo interno se encontra parado por ausência de manifestação da associado.

A empresa é alvo de uma ação civil pública do Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ). De acordo com decisão provisória, disponível no portal Consumidor Vencedor, a empresa não poderá comercializar nenhum contrato de seguro até regularizar sua atividade junto à Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão regulador do setor.

A Susep informou que tem recebido denúncias de consumidores com relação a contratos de proteção veicular e que busca verificar essas queixas. Entretanto, como essas empresas não são seguradoras, a autarquia não tem ingerência sobre a sua atuação e, por isso, esses casos são encaminhados ao Ministério Público para que este tome providências.

O promotor de Justiça Sidney Rosa da Silva Junior, subcoordenador do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor do MPRJ, diz que a orientação para o consumidor é, antes de contratar qualquer seguro, verificar junto à Susep, em seu site ou por telefone, se a empresa que oferece o serviço tem registro como seguradora.

— Caso contrário, o consumidor certamente não estará adquirindo um seguro e poderá sair lesado da contratação — alerta o promotor.

Robert Bittar, presidente da Escola Nacional de Seguros , conta que os corretores denunciaram a proteção veicular pela primeira vez em 2008:

— Na época, denunciamos 78 empresas. Destas, 50 já devem ter fechado as portas. Mas fecha uma e abrem duas. É preciso apertar a fiscalização sobre esse mercado, que funciona à margem da lei.

A proteção veicular é vendida por cooperativas e associações de classe a preços mais baixos do que o seguro regular. O modelo consiste no rateio dos prejuízos sofridos por todos os sócios, fornecendo proteção mútua de patrimônio, sem reserva técnica e sem fiscalização. Especialista em direito do consumidor, o advogado Paulo Cruz lembra que, no regime de proteção veicular, existe apenas um contrato de prestação de serviços, geralmente com regras dúbias, criadas pela própria empresa.

NA PARAÍBA, VENDA VIROU CASO DE POLÍCIA

O presidente da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg), João Francisco Borges da Costa, compara a estrutura desses serviços de proteção a de pirâmides ou correntes financeiras, que, em algum momento, quebram e prejudicam a todos:

— O risco é o mesmo de todas as pirâmides, que surgem prometendo facilidades, mas que não são ilegais. São serviços que não têm fiscalização das atividades e dos recursos envolvidos, nem têm reservas técnicas constituídas para fazer frente às indenizações, como as seguradoras. Temos o dever de alertar essas pessoas.

Segundo Costa, a garantia que as operações de seguro dão ao consumidor é que as reservas técnicas formadas pelas empresas são fiscalizadas e blindadas pela Susep.

Jayme Torres, presidente do Clube de Corretores de Seguros do Rio de Janeiro (CCS-RJ), alerta que a venda é feita de forma enganosa, fazendo o consumidor crer que se trata de um seguro:

—Há casos de simulação de prejuízos para justificar o aumento de mensalidade.

Em João Pessoa, a venda fraudulenta de “seguros de automóveis” virou caso de polícia. Segundo a Polícia Civil da Paraíba, a empresa Way Seguros celebrou diversos contratos, recebendo em média R$ 1.800 por cada um. No entanto, quando os clientes acionavam o “seguro”, eram orientados a pagar o conserto dos veículos, com a promessa de ressarcimento, nunca concretizada. Em dois casos mais graves, a empresa fez o conserto de carros de clientes e os vendeu a terceiros. Na operação, duas pessoas foram presas suspeitas de estelionato; a empresa foi fechada, e mais de 30 contratos apreendidos. Os prejuízos causados a consumidores são superiores a R$ 150 mil. Segundo a Susep, a Way Seguros não consta dos registros da autarquia.

— Eles diziam vender seguro, mas na verdade o que comercializavam era a chamada proteção veicular. O consumidor precisa ficar muito atento — diz Marcio Coriolano, presidente da Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg).

Fonte: O Globo
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